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Foto: Yasmin Fonseca/MIDR
Foto: Yasmin Fonseca/MIDR

Do sertão ao mar: como uma barragem reconstruiu a vida de moradores do Seridó

Oiticica desalojou milhares de pessoas, mas trouxe infraestrutura, oportunidades e esperança, segundo relatos dos reassentados de Barra de Santana


 “O sertão vai virar mar / Dá no coração / O medo que algum dia / O mar também vire sertão”. O poder da transformação humana perante a vastidão da natureza foi retratada na canção Sobradinho pela dupla Sá e Guarabyra em 1977. A composição se tornou símbolo do avanço de grandes obras de infraestrutura, sobretudo, as barragens, que mudaram radicalmente a paisagem dos sertões brasileiros. No Estado do Rio Grande do Norte, moradores do antigo distrito de Barra de Santana viveram de perto essa experiência, ados 34 anos do lançamento da música.

No ano de 2013, o início da construção da barragem de Oiticica viria a desapropriar uma área com mais de 12 mil hectares na região do Seridó potiguar, que compreende os municípios de Jucurutu, São Fernando e Jardim de Piranhas. Quase 4 mil pessoas tiveram de se deslocar em razão do barramento do Rio Piranhas para a implantação de um reservatório imenso, com capacidade de reter 742 milhões de metros cúbicos de água. Era o mar que salvaria da sede e da seca a população de uma das regiões mais suscetíveis ao processo de desertificação no Brasil.

O pecuarista e agricultor Reinaldo Pereira de Araújo, 68 anos, nasceu e morou em Barra de Santana, onde criou seus quatro filhos. Ele contou que a água bruta do rio Piranhas era encanada diretamente para as casas. “Teve uma época que a gente descia uma bomba pra ir buscar água, longe, longe, porque tinha secado o rio, e não tinha água. Era difícil”, recordou.

Ainda que fosse um distrito urbano, com indústrias de alimentos, padarias, oficinas e serviços, Barra de Santana era um zoneamento sem abastecimento de água potável ou tratamento de esgoto. Atendendo aos pleitos dos moradores, o Governo do Estado do RN paralisou as obras da barragem até que fossem definidos acordos de indenização.

Além de restituições financeiras que totalizaram R$ 60 milhões em indenizações, foi pactuada a construção de uma Nova Barra de Santana e outras três agrovilas. Para acomodar as famílias com dignidade em locais seguros, foi fornecida toda a infraestrutura: energia elétrica, água tratada, saneamento, coleta seletiva e o por rodovias. Nova Barra de Santana recebeu financiamento de quase R$ 60 milhões do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), e apoio do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).

Três modelos de indenização foram previstos: compensações monetárias com o Governo do Estado comprando os lotes que seriam alagados; permuta das antigas residências por imóveis novos de tamanho equivalente; e a permuta mista, que incluía troca de casa mais pagamento indenizatório, para as pessoas que se enquadraram como comerciantes e prestadores de serviços. Foi o caso de Érica Naiara Gomes Fernandes, 31 anos.

“Meu avô era um dos maiores proprietários de terra dentro da Barra Velha e a gente vivia da agricultura familiar, criando gado e outros animais. Lá eu tinha uma açaiteria que abria só à noite, como uma renda extra. Agora, aqui em Barra Nova, eu montei uma estrutura toda moderna e vivo disso hoje”, contou.

Outras perspectivas de vida

Para essas pessoas que tinham comércios ou prestavam serviços em suas antigas residências em Barra de Santana, o governo do Estado viabilizou a construção de 22 boxes para criar um centro comercial no novo distrito. Por ali já foram instaladas sorveterias, lojas de roupas e salões de beleza. Na quadra do setor institucional, ficam os serviços de educação (escolas e creches) e saúde (postos de atendimento). Há também um ginásio esportivo coberto para os eventos da comunidade.

O contraste entre a antiga e a nova Barra trouxe outras perspectivas de vida para Érica, que está esperando o segundo filho. “Pretendo continuar aqui. Penso muito no turismo que vai crescer por causa da barragem de Oiticica. Pretendo fazer meu empreendimento crescer, para que as pessoas, ao visitarem o complexo, encontrem um bom acolhimento na Nova Barra”, adiantou a empreendedora.

Muitas famílias, como a de Reinaldo, ainda são proprietárias de terras em locais secos no entorno da barragem. Todos os dias, o pecuarista vai de madrugada para o seu sítio em São Fernando cuidar de seus animais e cultivos. Apesar de manter a mesma rotina, Reinaldo faz uma ressalva: “A diferença é grande, aqui a casa é boa”, comentou.

“Lá na Barra onde eu morava, a minha casa talvez valesse uns R$ 20 mil. Essa casa aqui, quando eu cheguei, foi avaliada em R$ 100 mil. Esse alpendre fui eu que fiz”, apontou. “Fiz a murada, fiz um telhado, fiz outro quarto lá pra trás”, emendou Reinaldo.

Reassentamento rural: o quintal produtivo das agrovilas

O fechamento total das comportas da barragem de Oiticica ocorreu em novembro de 2024, após a conclusão dos reassentamentos. Cerca de 217 famílias foram reassentadas em Nova Barra de Santana. Outras 115 famílias de proprietários e produtores rurais foram reassentadas nas agrovilas de Jucurutu, São Fernando e Jardim de Piranhas.

De acordo com o engenheiro ambiental do Consórcio QS Oiticica, Luiz Fernandes, foi acordado com o governo do Estado que os trabalhadores rurais sem terra, atingidos pela construção da barragem, ganhariam imóveis próprios nas agrovilas. “Temos uma agrovila por município. Este é considerado o maior projeto de desapropriação e reassentamento para agricultura familiar no estado”, afirmou.

Nas agrovilas, os terrenos têm uma casa e um quintal produtivo. Todas as casas têm saneamento básico, tratamento de água, e condição de vida digna para as famílias, além de lotes coletivos para produção. “Quem não tinha terra, nem condição de produção, hoje tem casa, tem terra e sustenta sua família com a agricultura familiar”, ressaltou Luiz Fernandes. “Manter essas famílias em agrovilas foi prevenir que essas famílias sem terra não se tornassem moradores de rua em zoneamentos urbanos”, completou.

Patrimônio arqueológico

A construção da barragem de Oiticica levou à descoberta de uma das maiores concentrações de sítios arqueológicos no Brasil. Pesquisas realizadas a partir de 2019, entre os municípios de Jucurutu e Jardim de Piranhas, resultaram no cadastramento de 163 sítios arqueológicos na região, dos quais 95 apresentam painéis de gravuras rupestres lapidadas em rochas, e outros 68 bens do período histórico e pré-histórico.

De acordo com o engenheiro ambiental do Consórcio QS Oiticica, Luiz Fernandes, o MIDR atuou em duas vertentes para garantir a preservação desse patrimônio. "Primeiro viabilizando recursos para a elaboração de programas que identificaram toda essa riqueza arqueológica e depois, proporcionando celeridade no licenciamento arqueológico através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)", explicou. Essas iniciativas foram fundamentais para preservar achados arqueológicos inestimáveis da região do Seridó e evitar atrasos no cronograma das obras.

Ao todo, 53 sítios foram escavados e revelaram mais de 120 mil artefatos históricos. As peças estão preservadas no Museu Câmara Cascudo e no Laboratório de Arqueologia do Seridó, vinculados à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). As gravuras lapidadas em rochas estão situadas na comunidade rural Pedra Ferrada, na divisa dos municípios de Jucurutu e Jardim de Piranhas. Quem quiser conhecer deve percorrer a estrada no contorno da barragem de Oiticica e procurar moradores locais. Os materiais fazem parte do patrimônio arqueológico nacional e sua retirada ou degradação são expressamente proibidas.

Fonte: MIDR

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Do sertão ao mar: como uma barragem reconstruiu a vida de moradores do Seridó
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LOC: “O sertão vai virar mar / Dá no coração / O medo que algum dia / O mar também vire sertão”.
Em 1977, a dupla Sá e Guarabyra compôs uma canção que se tornou símbolo do avanço de grandes obras de infraestrutura hídrica nos sertões brasileiros. 
TEC - Sobe som “Sobradinho” - Sá e Guarabyra
ados trinta e quatro anos do lançamento da música Sobradinho, moradores do antigo distrito de Barra de Santana, no interior do Estado do Rio Grande do Norte, testemunharam a construção da Barragem de Oiticica.
TEC - Som de água correndo forte
Era o mar que salvaria da sede e da seca a população de uma das regiões mais vulneráveis ao processo de desertificação no Brasil.
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LOC: O início das obras se deu no ano de 2013, e viria a desapropriar mais de 12 mil hectares no sertão do Seridó potiguar. Uma área que compreende os municípios de Jucurutu, São Fernando e Jardim de Piranhas. Quase 4 mil pessoas tiveram de se deslocar em razão do barramento do Rio Piranhas para a implantação de um reservatório imenso, com capacidade de reter setecentos e quarenta e dois milhões de metros cúbicos de água.
TEC - Som de água correndo forte
LOC: Muitas famílias não queriam deixar a região e a comunidade onde tinham vivido por gerações. Atendendo aos pleitos dos moradores atingidos pela construção da barragem, o Governo do Rio Grande do Norte paralisou as obras. A condição era que fossem fechados acordos de indenização primeiro. Com recursos do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, e apoio do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o governo estadual agiu. Estava decidido: uma Nova Barra de Santana seria construída, em um local não muito distante, mas seguro das inundações por vir.
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TEC - SONORA 1 - Érica Naiara Gomes Fernandes “Eu tenho 31 anos, eu nasci e me criei na Velha Barra de Santana”
LOC: Essa é a Érica Naiara Gomes Fernandes.
TEC - SONORA 2 - Érica Naiara Gomes Fernandes “Lá era um lugar pequeno, pacato, é, simples, mas muito acolhedor. Eu costumo dizer que a gente morava em uma zona rural e hoje a gente mora numa mini cidade.Toda projetada, planejada. Casas boas e bonitas. E que jamais a gente ia ter condições de construir uma casa assim. Meu avô, que já é falecido, era um dos maiores proprietários de terra dentro da Barra Velha. E a gente vivia da agricultura familiar. Criando gado, animais. Na Barra Velha, tinha água encanada. Porém, uma água bruta que vinha diretamente do rio e era mandada pras casas. 
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LOC: Barra de Santana era um distrito urbano de Jucurutu, com padarias, oficinas e comércio, mas não tinha nem abastecimento de água potável nem tratamento de esgoto. O pecuarista e agricultor Reinaldo Pereira de Araújo viveu ali a maior parte dos seus 68 anos e relembra os tempos de seca.
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TEC - SONORA 1 Reinaldo Pereira de Araújo “Lá teve uma época que a gente descia uma bomba para ir buscar água, longe, longe, para vir para a rua, porque tinha secado o rio, não tinha água. A gente depois botava uma bomba numa banqueta reta que tinha lá para trazer água para casa. Era difícil.”
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LOC: O governo federal pagou mais de 60 milhões de reais em indenizações durante a construção da barragem de Oiticica. No acordo firmado com a população, foram definidas três opções de restituição: ressarcimento com o Governo do Estado comprando os lotes que seriam alagados; permuta das antigas residências por imóveis novos de tamanho equivalente; e uma permuta mista, que incluía a troca das casas e mais um pagamento indenizatório. Essa última opção era para quem se enquadrasse como comerciante e prestador de serviço.
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LOC: A ideia era incentivar as pessoas a ficarem em Jucurutu, oferecendo meios de reconstruir as atividades produtivas e comerciais. O governo do Estado viabilizou 22 pontos comerciais no centro em Nova Barra de Santana. Foi ali que a Érica instalou o quiosque de açaí dela. E tem lojas de roupas, salões de beleza, posto de saúde, escola, creche e ginásio esportivo, mas esses espaços ficam na quadra do setor institucional, bem pertinho. O contraste entre a antiga e a nova Barra trouxe outras perspectivas de vida para Érica, que está esperando o segundo filho.
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TEC - SONORA 3 Érica Naiara Gomes Fernandes “Não sei ainda se é menina ou menina. Mas eu pretendo continuar aqui. Crescer. Porque a gente viveu uma vida e hoje a gente está vivendo outra. E a gente tem que pensar no futuro, no dia de amanhã.E eu penso muito no turismo que vai dar aqui através da Barragem de Oiticica. Já tenho empreendimento e pretendo, dentro dele, crescer ainda mais. Pra que as pessoas, ao virem visitar o Complexo Barragem Oiticica, a nova Barra de Santana, venham e voltem com a perspectiva que gostou. E eu pretendo viver assim.
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LOC: Outras famílias, como a de Reinaldo, ainda são proprietárias de terras em locais secos no entorno da barragem. Todos os dias, o pecuarista vai de madrugada para o seu sítio em São Fernando, cuidar de seus animais e cultivos. Apesar de manter a mesma rotina, Reinaldo faz uma ressalva:
TEC - SONORA 2 Reinaldo Pereira de Araújo “Lá na barra onde eu morava, a minha casa lá, talvez valesse uns 20 mil. Essa casa aqui, quando eu cheguei, com pouco tempo, o menino botou 100 mil. Olha a diferença de lá pra cá, né? A diferença é grande, porque as casas são boas. Só que... Isso aqui já fui eu que fiz. Esse alpeno foi eu que fiz. Fiz a murada, fiz um T lá, fiz outro quarto lá pra trás. É, pra ficar melhor. O futuro da gente agora é pouco, porque a gente já tá um velho, né? O futuro vai ser pros netos, pros filhos, né?”
TEC - Som de água correndo forte
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LOC: O fechamento total das comportas da barragem de Oiticica ocorreu em novembro de 2024, após a conclusão dos reassentamentos. Cerca de 217 famílias foram reassentadas em Nova Barra de Santana. Outras 115 famílias de proprietários e produtores rurais foram reassentadas nas agrovilas de Jucurutu, São Fernando e Jardim de Piranhas, todas já inauguradas.
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LOC : A barragem de Oiticica, que faz parte do Projeto de Integração do Rio São Francisco, recebeu 46 milhões de reais do Governo Federal em 2024 para que o Governo do Rio Grande do Norte desse continuidade às obras. O ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, destaca que essa é uma das iniciativas para garantir a segurança hídrica no Nordeste.
TEC - SONORA - Ministro Waldez Góes “O principal, em nome do presidente Lula ao povo potiguar, é a garantia de 100% dos recursos orçamentários e financeiro pra todas as obras de infraestrutura hídrica que possam garantir água para o consumo humano e também para a produção de alimentos de baixas emissões”
TEC - Trilha Revoada - sobe e bg
LOC: Na época da construção da barragem, foi acordado com o governo do Estado que os trabalhadores rurais sem terra que perdessem o local do trabalho após as obras ganhariam imóveis próprios nas agrovilas. Nessas comunidades rurais, todos os terrenos têm uma casa com um quintal produtivo, saneamento básico e tratamento de água. Existem também lotes coletivos para plantios temporários. Quem não tinha terra, nem condição de produzir por conta própria, hoje tem casa, tem terra e pode sustentar sua família com  agricultura familiar.
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Para saber mais sobre as ações do governo federal em segurança hídrica, e: mdr. gov. br
Produção e Reportagem, Giulia Luchetta